E naquele dia, eu peguei o metrô
De linha oito quatro quatro.
Era um dia comum
Como todo dia comum é.
O céu era de anil, e era um domingo
Tinha sangue no jornal,
Gil e Raul no meu ouvido
Mas eu não carregava aquele jornal.
Toda informação que eu precisava
Estava na minha cabeça,
ou no notebook debaixo do braço,
Estava num livro de Sidarta na mochila
E tinha informação no mp4 do bolso da bolsa
E no bolso também tava cheio de informação
No meu pequeno celular que precisava carregar
E no pedaço de papel, que eu me esqueci de lembrar.
Mas toda aquela informação era descartável
Como a do jornal do homem sentado
E todos os tiros no Siqueira, todos os desastres no Haiti
Da menina de 4 que foi estuprada, da loteria acumulada,
De todos os gols do Leão, e o dia de Escorpião
Do macaco que fugiu do zoológico, do touro em Barcelona
Tinha tira de Mafalda, e crônica de Jabor
Tudo descartável, como aquilo que alguém falou
E lembro de tudo que eu não falei ainda
De quem eu não lembrei de esquecer
De alguém que eu lembrei que me esqueceu
E o metrô ia correndo, e adentro aquele túnel
A escuridão tomou conta do exterior
E lembrou o meu interior
As luzes do metrô, o maquinista não lembrou
E todo o metrô na treva adentrou
E solto naquele breu eu ouvi Raul, falando mais alto que Gil
Somos a resposta exata do que a gente perguntou
E me entreguei naquele abraço
Um astro da bandeira se deitou
E daquela estrela veio um disco-voador
Com um macaco cientista dentro
Aquele macaco que escapou
Da janela do metrô
O macaco me tocou, me levou
A estrela que estava enterrada, em algum lugar por aí
Sabia o que estava acontecendo
Estava virando parte de tudo
Do universo a que sempre pertenceu
Mafalda no jornal gritava
Era festa no céu da mata do macaco
Mas ninguém podia notar
Estavam todos ocupados para pensar
O moço que lia o jornal nem percebeu
Que a luz se apagou, que sua vista se cansou
Que seu olho já parou, que a informação o cegou
Sorria satisfeito com o jogo do Leão
Sem sacar que a lua dele era seu sol também
Que Leão era sua mãe, e seu pai era Virgem
E eles juntos eram rimas perfeitas
E ele reclamava era da melodia
Sem saber que naquele dia seu deus nada lhe avisou
Que na verdade nunca lhe avisou nada
Só avisou sobre o amor, aquele que ele rejeitou
Rejeitava o amor, e amava a deus
Enquanto deus subia ali no disco voador
E ele agora no metrô sorria com o visual retrô
Podia pilotar aquele brinquedo voador
Como um brinquedo do tempo de seu avô
Os anos oitenta estavam começando
E ele só lembrava dos 60 anos que tinha
Quando descobriu que era uma menina
Percebeu que Freud estava certo
Sobre não estar certo nunca
E que ele estava completamente certo
Da certeza que tudo estava incerto
A escuridão do metrô, a água da chuva
O cabelo da menina, as curvas da rua
As luzes do disco voador, o rabo do macaco
A flor que brotava da terra
Aquela que cobriu o astro falecido
E foi então que eu percebi
Eu estava morto ali naquela terra
Na Terra de ninguém eu era uma folha de grama
Do lado do moço que lia o jornal
Sem perceber que não estava mais no metrô
Ele agora balançava com o vento
O vento que o deus macaco soprou
Da música que Raul tocava
No violão do menino da rua
Ali do lado no banco da praça
Que jogava o menino João
Exatamente naquele domingo
Que teve acidente de metrô com um morto e dez feridos
Na capa do jornal da cidade que nunca teve metrô
Que eu e tu nos falávamos ao telefone sem fio
Da rede de redes da casa de praia
Que o sol se deitou do nosso lado
E que eu te falei do dia que eu tava no metrô
Que só agora tu entendeu tudo
Agora que a história já acabou
E você não se conformou?
Frase do dia:
"Não sei o que é a solidão. Nunca me senti só. Acho fantástico ficar comigo mesma, com meus milhões de dúvidas e preocupações" (Cleyde Yáconis)
Esse texto foi concebido durante uma viagem quase astral. Tem muitas referências escondidas nele, mas o tema principal está bem claro. Tudo é uma grande confusão de idéias.
Paz e abraços enfumaçados a tod@s
Lucas Macaco